AUTORITARISMO LÍQUIDO E AS NOVAS MODALIDADES DE PRÁTICA DE EXCEÇÃO NO SÉCULO XXI

Autores

  • Pedro Estevam Alves Pinto Serrano Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC/SP

DOI:

https://doi.org/10.56256/themis.v18i1.769

Resumo

A percepção da presença do Estado autoritário no interior das rotinas democráticas, sobretudo em democracias recentes, em países de modernidade tardia e capitalismo periférico, como os da América Latina, é algo que não pode ser menosprezado pela teoria jurídica. Nesse campo, a análise se justifica quando se constata que, no século XXI, os mecanismos autoritários adotados pelo poder político inauguram uma lógica própria, se comparada ao autoritarismo estatal presente nas ditaduras e Estados totalitários do século XX, operando a coexistência de duas formas de Estado, que convivem simultaneamente em determinada sociedade: um Estado democrático de Direito, que se realiza formalmente na Constituição e está acessível apenas a uma parcela da sociedade – aquela economicamente incluída –, e um Estado de exceção, que não se assume juridicamente como tal, mas que é adotado como técnica de governo, a que também podemos chamar de governança permanente de exceção. A decisão sobre o Estado de exceção, teorizado por autores como Carl Schimitt, seria um exercício necessário da soberania, uma vez que preordenado à salvação nacional, em que, constatada a ameaça real ao Estado por um inimigo externo, decreta-se temporariamente a suspensão dos direitos dos cidadãos, para que se possa estabelecer a ordem. Sob esta ótica do Estado de exceção, ao menos no plano da teoria do Estado, a temporalidade seria algo intrínseco ao instituto da suspensão dos direitos, pois necessária à recomposição da pacificação social, ainda que, na realidade vivida, essa marca da provisoriedade tenha apenas sido constatada no discurso político. O Estado de exceção presente no século XXI, por outro lado, não interrompe a rotina democrática, mas com ela convive faticamente, apresentando-se como permanente, ainda que seu discurso de justificação seja o mesmo de outrora: extermínio do inimigo que ameaça a sobrevivência estatal. O inimigo nos países latino-americanos tem um traço comum que o particulariza: ele é o pobre e vive na periferia das grandes cidades. Neste pequeno ensaio, faremos um esboço destas questões, a fim de demonstrar que a superação do Estado policial e das formas absolutistas de governo não sucumbiu face aos avanços dos ideais iluministas e das revoluções liberais que instauraram as bases do Estado de direito. Essas formas autoritárias se mantiveram ao longo de todos os períodos históricos subsequentes, sob novas conformações. Utilizamos a denominação autoritarismo líquido para falar dessa nova natureza das medidas de exceção no interior das rotinas democráticas, por se tratar de medidas fragmentadas, cirúrgicas, acionadas sob uma pseudo aparência de legalidade, o que torna sua identificação mais difícil. Chamamos a atenção para o cenário latino-americano, que tem se utilizado da jurisdição como meio de legitimação e de agenciamento do autoritarismo estatal.

 

Biografia do Autor

Pedro Estevam Alves Pinto Serrano, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC/SP

Graduado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Mestre e Doutor em Direito do Estado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Possui pós-doutorado em Teoria Geral do Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. É advogado e professor de Direito Constitucional de Fundamentos de Direito Público na graduação em Direito da PUC-SP, nos cursos de especialização em Direito Administrativo e Direito Constitucional e nos cursos de mestrado e doutorado de Teoria Geral do Direito na mesma instituição.

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Publicado

21-08-2020

Edição

Seção

ARTIGOS CIENTÍFICOS